o reflexo;

todos os dias, será que ela vem?
contando no relógio o tempo que restava
ali esperando, cuidando quem chegava
virando a cabeça quando escutava a porta abrir

e ali, pacientemente eu esperava
alguém que eu nao conhecia, veja bem
e na minha cabeça passava: será que ela vem?
no meu jogo de azar, tentando ganhar

quando aparecia, tudo mudava
o coração acelerava mas eu fingia que não via
ficava indiferente até o momento d'ela ir embora

meus olhos, no reflexo a cuidava
tentava transparecer, mas não conseguia
até ela notar, e um sorriso no seu rosto brotar

_
às vezes dói mais do que podemos aguentar. mas vale a pena.

volúpia em vertigem

.
gira gira sensação
passa por mim e volta num redemoinho
finge que vai embora
mas retorna, que decepção;
controle-se no no seu caminho
que queres seguir afora

maldita vida humana
excitação suburbana
que me faz perceber
que querer não é poder
feche os olhos, siga em frente
tente dominar o que sente

um querer desvairado
minha pílula da anti-razão
barbitúrico alucinado
me lança pra longe do chão

eu escrevo o silêncio, porque
minhas palavras sempre fingem
tenho medo, mas do que?
é a volúpia em vertigem
.



Pecado é provocar desejo e depois renunciar.

Minha Culpa

de Florbela Espanca

Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... Um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...

Como a sorte: Hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...

Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...

Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...



-sinto que me identifico. fato.

Contos do Bambu's IV

Vícios
por Duda, Sandro e André.

A jogatina seguia frenética no bar de sempre. O grupo animado se empolgava a cada rodada. Dois deles sairam em busca de uma aventura noturna que só a camuflagem de um final de dia cansativo permitia, ou melhor, pelo qual implorava.
O fornecedor ali perto esperava seus clientes, com suas calças gastas e sua jaqueta de couro.
- Dez reais, ele dizia. - Mas prometo que a viagem vale a pena.
Os dois amigos que em busca da liberdade mental foram atrás, aceitaram o preço e voltaram para compartilhar com seus companheiros o presente.
O banheiro visitaram, para dar partida à sua viagem química.
Deiada a jogatina de lado, o caso era outro. Não haviam mais personagens e sim, sensações. Sentindo-se como Ícaro, Rodrigo saltou do sétimo andar de seu prédio, sem suas asas de cera foi amparado pelo asfalto. Raquel teve a mesma viagem de sempre, afinal já estava acostumada. Rafael foi cedo para casa, pois sua namorada não poderia suspeitar que ele voltara para as drogas.
O cenário é esse. Um cenário obscuro, o intervalo pelo filtro. Uma noitada a mais, ou uma noitada a menos. Talvez a última.
Tanto faz os porquês dos quais, eles sabem porque estão nessa. A duração da viagem pouco importa. Afinal, eles sempre querem mais.

Contos do Bambu's III

Experiência
por André Simões

Os sentidos aguçados pela volúpia a fizeram pensar nos cheiros do cigarro e do seu sexo sujo. Ela não se lembrava nem do nome do cara com quem tinha passado mais uma noite de sua vidinha medíocre, Mas nada disso era novidade. Já vinha nesse ritmo promíscuo e inconsequente há mais tempo que se importava lembrar. Lembrar pra quê? Se lembrar só causava dor. Melhor mesmo, é só curtir o embalo da noite e ver no que vai dar. Afinal, não era isso que todos faziam? E se não faziam, era isso que queriam fazer. Ela fazia. E gostava.
Não era puta, ainda que muitos a chamassem disso, na sua cara, ou pelas costas. Mas isso não importava. Lá ia ela, na dela pra variar sem encomodar ninguém, mais um inseto sem valor (mas com dor).
Ela saiu de casa com a ressaca costumeira, sem nem se maquiar para disfarçar a cara de visada, fruto de mais uma noitada. Ia para outra entrevista de emprego, sem muitas esperanças, é verdade, mas seguia em frente. Já que ela se recusava a viver assim pra sempre, entregue a sorte, que era a sua, tinha que ser a sorte de alguém, porque ela só se fodia. Há muito tempo ela não conseguia lembrar de algum dia em que ela se dera bem, aliás, ela nunca ia se dar bem; ela era do mal.
A entrevista pra variar, foi uma merda. Mais um cara querendo explorar uma guria sem experiência. Sem experiência o cacete. Ela bem que podia não ter experiência profissionalcomo balconista de supermercado, mas tinha uma baita experiência em lidar com gente; e além do mais, que experiênciaalém de dizer "olá, o que quer mais?" ele podia exigir dela? Provavelmente foi como se vestia e como caminhava, que nem uma puta que fez o gerente falar da tal "experiência". Ela não desistiu, mas desanimou. Amanhã tinha mais uma entrevista marcada. Numa loja de roupas. Ela ia falar tudo que quisessem ouvir. Dessa vez, ia pegar a porra do emprego que tanto precisava para sair desas vidinha de merda. Tinha que fazer isso de uma vez, ou não sabia quanto tempo ela ia aguentar a ladainha do padrasto aporrinhando sua vida. Amanhã ia ser o seu dia.

Contos do Bambu's II

GameOver
por Sandro Luis Ribeiro Filho


Parado na frente da televisão, um catálogo de desejos, ele hesita, pensa em mudar de canal, em mudar de profissão, talvez de cidade. Quem sabe tornar-se um forasteiro, um traficante ou um dono de um bar. Consulta em sua agenda. Vários telefones nela. Várias possibilidades de se ir em algum lugar. Hesita de novo. Quem sabe mais uma dose? Vai até a sua escrivaninha e retira sua mercadoria. Prepara quatro linhas do produto, para serem inaladas. Pronto, serviço feito. Contatou seu velho agente de viagens. Sentiu-se em Acapulco, Nova Iorque, Itapuã...
tanto faz o lugar. A sua viagem é real.
Sente frio, depois calor. Como se saísse do inverno rigoroso de Nova Iorque direto para Acapulco. Vai em direção de seu criado-mudo. Pega a arma nas mãos, uma arma que havia comprado na semana anterior. Ele tinha um desejo, mas acabou mudando de canal. Agora o canal escolhido é esse mesmo. E pouco importa se ele pagou ou não a conta da TV.
De hoje não passa. Acende um cigarro de filtro vermelho. Aproxima a arma de sua boca e dispara.
Game Over.

Contos do Bambu's I

Cerveja, cigarros, truco, amigos e poesias. Tudo isso na madrugada de uma segunda-feira fria de setembro. Junte tudo isso e o resultado é:

Contos do Bambu's

Analize
por Maria Tellechea

Puxou o cordão da luz e a sala iluminou-se.Tudo o que ele via eram caixas. Perguntou-se qual foi o momento de sua vida em que decidiu ser um analista. Sentia-se um analista. Pois o conteúdo de todas aquelas caixas eram cadáveres. Um corredor cheio deles. Todos ali, feito um parque de diversões feto para um examinador de defuntos, um legista, como ele. Abrir corpos não lhe dava nojo, lhe dava prazer. Todos os dias, variações de pessoas mortas, das mais variadas doenças, dos mais variados acidentes. O que mais gostava de fazer, era imaginar quem aquelas pessoas tinham sido em vida, e especular o que havia acontecido para ali chegarem naquela estado. Já tinha aberto o corpo de uma rainha, bela e poderosa, que depois deum passeio de carro mortal ali foi parar. Conheceu também um assassino, que provou de seu próprio veneno. Um pai de família, que pelas drogas destruiu seu corpo. Viu também um menina que gostava de brincar de bonecas, maltratada pelo padrasto, teve sua vida interrompida muito cedo. Viu tantas pessoas, tantas histórias, que começou a pensar na sua. Quem ele era, o que ele viveu, o que ele viveria, como morreria? Estaria ele em uma daquelas caixas? Em quanto tempo? De que forma? Inteiro, em pedaços? Especulariam sobre a vida dele também?
Puxou a primeira gaveta, abriu o saco preto de plástico e viu: uma loira, com seus 20 e poucos anos, bonita, tão jovem. Olhou no rosto da moça e perguntou:
- Quem é você?

a dorothy que há em mim.

vou seguindo pelo caminho de tijolos amarelos, olhando para dentro de minha cabeça, tentando entender o que acontece. vejo imagens abstratas, nunca posso decifrá-las. palavras passam muito rápido, não consigo lê-las. não sinto o vento tocar meu rosto, nem o calor do sol aquecer minha pele, as cores parecem mais opacas, os gostos mais amargos, os amores menos enlouquecedores. quando fecho meus olhos e tento bater meus sapatos rubis um no outro, nada acontece, continuo no mesmo lugar.
o que faço então, é escrever. fujo do mundo em que vivo e entro no qual gostaria de viver, vou para a minha cidade das esmeraldas. lá, vivo da forma que sempre sonhei, convivo com as pessoas que sempre quis conhecer, escuto os sons que me acalmam, provo os sabores que mais me alucinam. nesse mundo eu vivo sorrindo, meus olhos brilham e me sinto leve. aqui, os sorrisos são mais verdadeiros, as palavras mais confortadoras, os beijos mais saborosos, os amantes mais intensos.
mas o meu mundo real me espera, e em algum momento preciso abrir meus olhos, deixar o papel e o lápis de lado, viver a vida que realmente me pertence. não me deprimo, jamais. encaro de frente, respiro fundo e sigo o meu caminho, passando por cima dos obstáculos que insistem em aparecer na minha frente. se faço o caminho certo? nem mesmo eu sei, mas é esse que sigo, é esse que quero seguir. enquanto eu precisar escolher, vou por onde meu coração me guiar.


Não há lugar como a nossa casa.

vício voluptuoso

existe dentro de mim
um vício que não quer me deixar
à passos lentos e sem fim
me consome até me rasgar

vê as chagas que cultivo em minha pele?
são as feridas que arranco em busca da dor
é o meu jardim dos pecados, meu mundo sem cor
sou meu próprio algoz, amo o que me fere

não me culpes por me entregar
minhas asas e minha auréola decidi abandonar
eu precisava esse vício alimentar

quem diria eu pensar assim
onde sangrar pelo nariz é o que almejo
minha roleta russa de desejo


Se perdi os meus dias na volúpia, ah! Devolvei-los a mim, grandes deuses para que eu volte a perdê-los.

mais uma noite

uma xícara de café amargo na mão e o cabelos oleosos entrelaçados nos dedos da outra. sentada em uma poltrona antiga, rota e gasta, ela deixa seus olhos seguirem a fumaça que se desprende da xícara quente que ela segura. as cortinas de veludo verde obstroem a entrada completa do sol, deixando apenas poucas linhas entrarem. e elas entram, dançando calmamente em direção ao piso empoeirado que ali há. seus pés nus e gelados estão sujos e vermelhos como o vestido de gala que ela outrora vestia e agora encontrava-se pendurado no armário corroído pelos cupins. ela queria levantar para pegar seus cigarros, mas a dor nas pernas a impediu, ela desequilibrou quando fez força para sair do sofá e com isso quase derrubou seu café. sorriu dementemente e largou sua xícara na mesa ao lado, bem perto do porta-retratos com o vidro quebrado e gotas de sangue seco encrostados. a mesma mão que segurava seus cabelos agora tirava do colo uma gilete enferrujada que fora usada horas antes para fazê-la esquecer. o seu desmemoriador, como ela costumava chamar. levou em direção ao rosto e se viu refletida nela. o que viu foi um rosto opaco, fraco, sem brilho, com a maquiagem borrada. os cabelos desgrenhados e sujos caíam sobre seus olhos. olhos esses sem vida, como se há tempos ela estivesse morta. jogou para o lado a gilete, para que não precisasse olhar mais para si mesma, e antes que involuntariamente suas mãos corresem em direção ao seu pescoço, um lugar desconhecido pelo seu desmemoriador. olhou para as marcas nas pernas e deixou seus olhos seguirem o caminho que o sangue percorria coxas abaixo. jogou sua cabeça pra trás numa gargalhada descontrolada que em poucos segundos transformou-se em um choro soluçado, desesperado. seus olhos correram o quarto e foram parar no porta-retratos da mesa ao lado e suas lágrimas desceram por seus olhos ainda mais. por impulso fechou seu punho e com força acertou o que restava do vidro, que com o impacto estilhaçou-se. agora sua mão estava banhada em sangue, como o resto do seu corpo. levou as costas da sua mão em direção à sua boca sem perceber e ela sentiu o gosto do seu próprio sangue fresco. o gosto lhe despertou memórias de uma vida não muito distante, da primeira vez que o desmemoriador fora usado, na parte interna da coxa, lhe proporcionando uma dor extremamente agradável e quando vira o poder que seu corpo tinha sobre seus sentimentos. desde então, sempre que achava necessário, corria para o espelho do banheiro e depois sentava no mesmo sofá. sempre para esquecer-se. as lembranças lhe trouxeram a vontade de drogar-se e ela levantou-se. caminhou devagar e parou na janela. do lado de fora ela via as luzes dos faróis dos carros, dos semáforos que piscavam para ela lá de baixo e das festas que silenciosamente chamavam seu nome. ela se animou e deu meia volta. seu rumo agora era a mesa de jantar, onde ela sabia que havia uma linha de cocaína esperando-a. a experiência ajudou-a, em poucos segundos a mesa estava limpa e seu corpo revigorado. sentia-se satisfeita, inatingível e decidiu vestir-se e sair para explorar a noite. tirou do armário sua calça escura e sua camisa preta, calçou seus sapatos e foi escovar os cabelos e retocar sua maquiagem. sorriu para si mesma no espelho e foi-se, sabendo que voltaria depois do amanhecer, drogada e bêbada, como sempre.

Entre a dor e o nada o que você escolhe?

o novo

novas sensações, que dominam teu corpo e atacam teu cérebro como um choque elétrico. te invadem e te fazem sentir o até então desconhecido. tu sabes como chama essa nova sensação. sabes, mas não lebras do nome. porque afinal, não costumavas sentir.
é aquela, aquela que não me recordo do nome, mas é espontâneo, vem sem perguntar se pode, te trazendo medo, real ou irreal, várias emoções misturadas como dor, raiva, tristeza, inveja. e olha lá quem vem: o ressentimento, a culpa, o questionamento. ela chega pelo estômago, te aperta e te queima, a náusea vem junto com a aflição, migra para o coração, abrindo fendas e cuspindo lava como um vulcão. e tu já não sabe mais o que dói, o que não dói, vem aquela ânsia de sair correndo, de fazer alguma coisa, qualquer coisa, ou coisa alguma.
diagnóstico: ciúme.


"Feito um veneno, em meu peito ficou seu perfume
No coração, a paixão, na cabeça, o ciúme"

agostinho dos santos - pecado

Eu não sei se é proibido
E se não tem perdão
Que me leva ao abismo
Eu só sei que é amor

E eu não sei se este amor
É pecado e se tem castigo
Se é faltar com as regras honradas
Do homem e Deus

Eu só sei que me envole a vida
Como um torvelinho
Que me arrasta e me arrasta
a teus braços, em cega paixão

É mais forte que eu
Minha vida, meu credo e meu céu
É mais forte que todo respeito
E temor a Deus

Ainda sei que é pecado e te quero
Te quero assim mesmo
Mesmo sendo negado o direito
Me entrego a este amor

atos tácitos

O sol brilha. Não é com a mesma intensidade nem o mesmo calor. Mas ele brilha. Alguém o vê radiante, eu o vejo simples.

Sorrio, mas não é com o prazer de sempre. É desvirtuado. O que antes me satisfazia agora não mais me realiza, pois minha cabeça se encontra inquieta.

Pego-me encarando a parede, contemplando as cores, os desenhos, a textura. Passam-se minutos e me pego fazendo a mesma coisa. Nada.

À noite, demoro a pegar no sono, pensando, lembrando, refletindo. Meus sonhos não são mais os mesmos, antes claros e calmos, agora abstratos e instantâneos. E no abrir dos olhos ao acordar, as pálpebras pesadas e húmidas do sono te desenham na minha frente, me fazendo pensar que ainda sonho. E quando finalmente os abro, e percebo onde estou e no que me tornei, o peso recai sobre minhas costas, trazendo consigo a angústia e a afadiga.

Quero uma capa da invisibilidade, um tapete voador e uma lâmpada mágica.



Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.

Fernando Pessoa

desperta-te

sinto, apesar de querer e não querer sentir
quero, apesar de querer e não querer querer
tento, mas sei que passo longe de tentar


quando as coisas saem totalmente do controle, é quando tu pensa como foi que chegou ali. o que te levou a fazer todas as coisas que não podia, sentir tudo o que não devia e querer tudo o que não se pode ter. quando digo que tento, é mentira. ainda consigo me enterrar mais fundo em uma história que eu bem sei o fim. tenho em mãos o conhecimento do final desse enredo e mesmo podendo dar um rumo diferente para a história, um em que poucos saiam machucados, um em que as decisões sejam realmente tomadas, um em que eu perca o que mais quero. sim, eu quero ficar no limbo que criei pra mim, embora saiba dos conflitos que essa ganância pode acarretar. puro egoísmo de sentimentos. penso no que eu quero, no que eu desejo e esqueço que as outras pessoas também sentem. também se machucam. também choram. onde está o medo de perder o que era de mais valioso pra mim? sumiu. a única coisa que me fazia ter alguma noção do real, sumiu. e o que eu quero agora? eu sei, mas finjo não saber. e como sair desse meu capricho sem destruir uma das coisas que mais valorizo na vida? ofendo a mim mesmo falando isso. como posso valorizar uma coisa que venho destruindo? auto-flagelo? masoquismo? não creio nisso. ainda prefiro pensar que não sei lidar com alguns sentimentos. bobagem. sei tudo o que sinto, sei tudo o que quero e sei ainda, o que devo fazer. mas teimo. teimo porque ainda prefiro seguir o caminho errado. mas errado porque? não acho que seja o errado. errado é ter as mãos atadas e não poder fazer o que se quer, sem que isso venha a magoar outros.

o engasgo

o silêncio acumulando
as palavras perdidas
não curam as feridas
que ganho por onde ando

aquela fábula que criei
que insisto em adicionar linhas
com situações cometidas
de coisas que nunca direi

na ânsia de achar uma saída
do buraco que eu mesma cavei
me enterrei mais fundo ainda
e como faço pra sair, não sei

quem sabe só por uma vez
eu ouvisse minha consciência
e eu pudesse talvez
pensar na consequência

reminiscências

Minhas lágrimas não descem. Meus olhos continuam secos apesar de eu estar arrasada por dentro. O eu racional e o eu emocional travam uma batalha impossível de se prever um vencedor. Mas no final um tem de vencer. Sempre.

Congratulo o vencedor? Sim, óbvio. Afinal, é a melhor opção. Eu sei. Apesar de não querer saber.

Uma decisão. Apenas uma. Uma sábia decisão. Será? O tormento continua, mas passa. Sempre passa.

Vivendo e aprendendo. Vivendo momentos incríveis e incontestáveis. Alguns dos melhores indiscutivelmente. Mas que ficarão guardados apenas na memória. Aprendendo a valorizar o que se ganha na vida, apreciar o que se tem e a lidar com novos sentimentos.

Sentimentos esses responsáveis por toda essa agonia. Agonia sim. Pois o novo assusta. E a verdade também. Logo, escolho a mentira que cura, do que a verdade que dói.

Colocaram as cartas na mesa e eu as peguei. Agora só me resta aprender a jogar.

entrego-me

Tu és o doce que derrete na minha boca. O sangue que corre nas minhas veias. O ar que entra nos meus pulmões. Na mesma rapidez que a chama queima a folha, tu consomes o meu ser, domina o meu eu. Submeto-me às tuas vontades, subordino-me aos teus desejos, sou o teu objeto, para ser usada e abusada sem questionar. Rendo-me às tuas exigências. Converto-me na tua escrava. O que é de tua vontade, o faço.

Pego-me viajando em teus olhos, embriagada pelo teu perfume, inebriada pelo som da tua voz. Tuas mãos me acalmam e teus beijos alucinam-me. A um simples toque teu, minha pele se arrepia, minha nuca se enrijece e meu coração acelera. Sinto como se minhas entranhas mudassem de lugar umas com as outras, como se o único som no mundo fosse a tua voz, o único sabor fosse o do teu beijo, a única cor a dos teus olhos, o único aroma o do teu perfume.

Entrego-me à ti, pronta para satisfazer tuas mais loucas ambições, como o servo para com o seu dono.

terreno de peleja

Encaro aqueles olhos negros como um tigre prestes a atacar sua caça, enquanto me movo sinuosamente com o ritmo da música que toca ao fundo. As batidas da música intercalam com as do meu coração, e mesmo sem notar qual o som que toca, danço como se fosse a minha última dança. Como se depois dessa, minha vida chegasse ao fim.

Percebo que seus olhos fixam nos meus; eu os fecho, e sorrio. Enquanto minhas mãos percorrem meu corpo, guio meu quadril ritmadamente de um lado para o outro, meus pés deslizam harmonicamente com as batidas e meus cabelos brincam nas minhas costas.

Surpreendo-me ao abrir os olhos. Minha presa está diante de mim, com um sorriso malicioso em seu rosto. Sem nem tempo de esboçar alguma reação, sou segurada pela cintura e os papéis são invertidos. A presa agora sou eu, sendo vagarosamente saboreada pela minha outrora caça. Sua boca avança contra a minha, e eu sinto o sabor amargo da cerveja misturado com gosto acre do cigarro. A língua quente explora minha boca e diverte-se com a minha. Tenho meus cabelos presos com sua mão direita enquanto a esquerda me leva em direção ao seu corpo.

Tudo acaba tão rápido como começou. Não tenho tempo nem de perguntar seu nome ou de me despedir. Vejo apenas sua silhueta desaparecendo na multidão. Fico imóvel, como a caça jaz após ser desbravada pelo seu caçador.

reflexão

senti a brisa suave roçar de leve meu rosto e fechei meus olhos, saboreando a intensidade que o momento me proporcionava. descanso as costas na árvore e largo o livro que já começava a aborrecer-me.
no céu, as cores escarlates anunciavam o fim de mais uma tarde longa. o cheiro de grama fresca atiça a minha memória, levando-me a lembraças remotas de minha infância, quando tudo era simples, claro e puro. o tempo passa, as coisas complicam e a vida se torna confusa.

o que quero ser? o que quero fazer? quero ser amada? quero amar? quero ser responsável? quero errar? quero aprender? quero chorar? quero vencer? quero voar?

levanto, acendo um cigarro e volto para casa. volto para a minha certeza de que não há certeza.

seguindo pela estrada

Com as mãos geladas segurando o volante ela dirigia rápido pela
estrada. Os cabelos esvoaçando freneticamente com o vento. A
boca seca e os olhos marejados. Milhares de imagens passavam
pela cabeça dela, inclusive a dela jogando o carro estrada a
fora, mas nenhuma delas nítida o suficiente para que focasse em
um apenas. Resolveu parar na primeira lanchonete de beira de
estrada que encontrou. Era suja, pequena e pobre. Ao menos
estava quente ali dentro. Sentada em uma das mesas tortas da
lanchonete pediu um café. Forte, foi o que ela disse. Enquanto
esperava, apoiou a cabeça em suas mãos e suspirou. Um suspiro
longo e calmo. Como se tentasse afastar dela toda a aflição que
a assolava.

Foi quando lembrou daqueles olhos, os olhos que ela tanto
gostava de apreciar, os mesmos olhos que a olhavam com ternura,
olharam com indiferença. Os mesmos olhos que ela admirava,
olharam secos e com repreensão. Lembrou também de sua boca.
Aquela mesma boca que ela tanto saboreou o gosto doce e
delicado, aquela mesma, disparou veneno em forma de palavras
contra ela. As mãos que ela tanto sentiu percorrerem o seu
corpo com afeto, sentiu também lançar um tapa em seu rosto.

Experimentou as lágrimas descendo pelo rosto e não fez questão
de reprimir. Deixou que pendessem pela face e a sensação foi
boa. Assim que sentiu a garçonete deixar seu café ali, levantou
a cabeça e de leve secou com um lenço. Pegou a xícara e sentiu o
calor envolver suas mãos, suspirou profundamente e levou o café
em direção à sua boca. O gosto amargo surpreendeu seu interior
e ela, involuntariamente apertou os olhos. Tomou outro gole,
dessa vez maior e mais rápido. Como o tiro de um canhão a
realidade atingiu-a. Tal a forma que ela até mesmo recuperou
sua cor habitual.

Mas nada do que fizesse, ouvisse, ou tentasse, afastariam dela
a idéia de que agora, lhe faltava um pedaço. Um pedaço
fundamental, vital. Sua essência havia sido roubada. Ela tentou
imaginar sua vida daqui para frente. Como seria viver sem o seu
talismã?

Tomou o resto do café em poucos goles. Deixou uma nota em cima
da mesa e levantou. Buscou suas chaves na bolsa e foi para o
carro. Sentada no banco pousou suas mãos ao volante e deu a
partida. Fechou os olhos, cerrou os dentes e acelerou. Acelerou
como nunca havia feito na vida. Sem abrir os olhos, continuou
seu caminho em direção ao seu triste destino. Sua jornada durou
pouco tempo, pois após sair da lanchonete, antes de 60 segundos
completarem, todos que estavam por perto puderam escutar o
barulho de algo pesado chocar-se em algo sólido. Um barulho
severo, rude. O barulho do fim.

o desejo

o calor dos teus braços me envolve
o desejo corre em minhas veias
a forma como tu me olhas
acende e provoca minha libido
a forma como tu me tocas
me mata de tanto prazer
esse teu carinho em demasia
superando todos os que eu já tive
implorando para que eu te ame
suplicando para que eu me entregue

o gosto do teu beijo tem sabor de amor
me envolve e me faz te querer por muito
mas isso não importa
o que eu quero é aproveitar cada minuto contigo
não importa quantos sejam
mas que cada um seja melhor que o anterior

eu serei tua

sussurre em meu ouvido
eu gosto
toque minha nuca
eu me renderei
arranhe-me
eu me torno tua escrava
me abrace forte
eu posso morrer depois disso
me surpreenda
brinque comigo
me enlouqueça
me ame
me faça explodir
não me deixe ver
eu quero te sentir
me faça especial
e eu serei eternamente tua

agonia



agora eu começaria
eu falaria
de palavras eu encheria
toda essa porcaria
e eu não pararia
eu não cansaria
você até choraria
pediria
será que eu o faria?
mas eu não cansaria,
eu até me animaria
e claro, continuaria
mas você voltaria
imploraria
sera que eu me calaria?
suficiente não seria
somente o que você pedia
mas você não aguentaria
por perdão aclamaria
mas fazê-lo teria
com suas mãos me enforcaria
até ter certeza de que me mataria
e então de minha boca nenhum som sairia.

um soneto sem nome


sigo o meu desejo? sigo o caminho da razão?
maldita vida que insiste em me testar
procuro as respostas, onde elas estão?
e não as acho em nenhum lugar


cruel destino que te pôs na minha frente
fez que minha cabeça só em ti pensasse
pensei: grite, mostre a todos o que sente
mas não queria que nenhum rosto chorasse


quando te beijei, meu coração sorriu
o gosto doce dos teus lábios me marcou
eu fiquei feliz, mas ninguém viu


lembro do teu cheiro e te procuro em minha mente
te imagino junto comigo, sem culpa
e vivo assim, te querendo quieta somente