mais uma noite

uma xícara de café amargo na mão e o cabelos oleosos entrelaçados nos dedos da outra. sentada em uma poltrona antiga, rota e gasta, ela deixa seus olhos seguirem a fumaça que se desprende da xícara quente que ela segura. as cortinas de veludo verde obstroem a entrada completa do sol, deixando apenas poucas linhas entrarem. e elas entram, dançando calmamente em direção ao piso empoeirado que ali há. seus pés nus e gelados estão sujos e vermelhos como o vestido de gala que ela outrora vestia e agora encontrava-se pendurado no armário corroído pelos cupins. ela queria levantar para pegar seus cigarros, mas a dor nas pernas a impediu, ela desequilibrou quando fez força para sair do sofá e com isso quase derrubou seu café. sorriu dementemente e largou sua xícara na mesa ao lado, bem perto do porta-retratos com o vidro quebrado e gotas de sangue seco encrostados. a mesma mão que segurava seus cabelos agora tirava do colo uma gilete enferrujada que fora usada horas antes para fazê-la esquecer. o seu desmemoriador, como ela costumava chamar. levou em direção ao rosto e se viu refletida nela. o que viu foi um rosto opaco, fraco, sem brilho, com a maquiagem borrada. os cabelos desgrenhados e sujos caíam sobre seus olhos. olhos esses sem vida, como se há tempos ela estivesse morta. jogou para o lado a gilete, para que não precisasse olhar mais para si mesma, e antes que involuntariamente suas mãos corresem em direção ao seu pescoço, um lugar desconhecido pelo seu desmemoriador. olhou para as marcas nas pernas e deixou seus olhos seguirem o caminho que o sangue percorria coxas abaixo. jogou sua cabeça pra trás numa gargalhada descontrolada que em poucos segundos transformou-se em um choro soluçado, desesperado. seus olhos correram o quarto e foram parar no porta-retratos da mesa ao lado e suas lágrimas desceram por seus olhos ainda mais. por impulso fechou seu punho e com força acertou o que restava do vidro, que com o impacto estilhaçou-se. agora sua mão estava banhada em sangue, como o resto do seu corpo. levou as costas da sua mão em direção à sua boca sem perceber e ela sentiu o gosto do seu próprio sangue fresco. o gosto lhe despertou memórias de uma vida não muito distante, da primeira vez que o desmemoriador fora usado, na parte interna da coxa, lhe proporcionando uma dor extremamente agradável e quando vira o poder que seu corpo tinha sobre seus sentimentos. desde então, sempre que achava necessário, corria para o espelho do banheiro e depois sentava no mesmo sofá. sempre para esquecer-se. as lembranças lhe trouxeram a vontade de drogar-se e ela levantou-se. caminhou devagar e parou na janela. do lado de fora ela via as luzes dos faróis dos carros, dos semáforos que piscavam para ela lá de baixo e das festas que silenciosamente chamavam seu nome. ela se animou e deu meia volta. seu rumo agora era a mesa de jantar, onde ela sabia que havia uma linha de cocaína esperando-a. a experiência ajudou-a, em poucos segundos a mesa estava limpa e seu corpo revigorado. sentia-se satisfeita, inatingível e decidiu vestir-se e sair para explorar a noite. tirou do armário sua calça escura e sua camisa preta, calçou seus sapatos e foi escovar os cabelos e retocar sua maquiagem. sorriu para si mesma no espelho e foi-se, sabendo que voltaria depois do amanhecer, drogada e bêbada, como sempre.

Entre a dor e o nada o que você escolhe?

2 opiniões;:

Anônimo disse...
25 de julho de 2008 às 00:21

ah caramba, ningm chorou lendo o meu teto das vacas. xD


bêbada loka.
disseram q o beco estava um cú, obg. 8)

hsauhsuahusuahusa

(L)

café com biscoitos disse...
29 de julho de 2008 às 09:36

escolho a dor, sempre.