o reflexo;

todos os dias, será que ela vem?
contando no relógio o tempo que restava
ali esperando, cuidando quem chegava
virando a cabeça quando escutava a porta abrir

e ali, pacientemente eu esperava
alguém que eu nao conhecia, veja bem
e na minha cabeça passava: será que ela vem?
no meu jogo de azar, tentando ganhar

quando aparecia, tudo mudava
o coração acelerava mas eu fingia que não via
ficava indiferente até o momento d'ela ir embora

meus olhos, no reflexo a cuidava
tentava transparecer, mas não conseguia
até ela notar, e um sorriso no seu rosto brotar

_
às vezes dói mais do que podemos aguentar. mas vale a pena.

volúpia em vertigem

.
gira gira sensação
passa por mim e volta num redemoinho
finge que vai embora
mas retorna, que decepção;
controle-se no no seu caminho
que queres seguir afora

maldita vida humana
excitação suburbana
que me faz perceber
que querer não é poder
feche os olhos, siga em frente
tente dominar o que sente

um querer desvairado
minha pílula da anti-razão
barbitúrico alucinado
me lança pra longe do chão

eu escrevo o silêncio, porque
minhas palavras sempre fingem
tenho medo, mas do que?
é a volúpia em vertigem
.



Pecado é provocar desejo e depois renunciar.

Minha Culpa

de Florbela Espanca

Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... Um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...

Como a sorte: Hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...

Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...

Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...



-sinto que me identifico. fato.

Contos do Bambu's IV

Vícios
por Duda, Sandro e André.

A jogatina seguia frenética no bar de sempre. O grupo animado se empolgava a cada rodada. Dois deles sairam em busca de uma aventura noturna que só a camuflagem de um final de dia cansativo permitia, ou melhor, pelo qual implorava.
O fornecedor ali perto esperava seus clientes, com suas calças gastas e sua jaqueta de couro.
- Dez reais, ele dizia. - Mas prometo que a viagem vale a pena.
Os dois amigos que em busca da liberdade mental foram atrás, aceitaram o preço e voltaram para compartilhar com seus companheiros o presente.
O banheiro visitaram, para dar partida à sua viagem química.
Deiada a jogatina de lado, o caso era outro. Não haviam mais personagens e sim, sensações. Sentindo-se como Ícaro, Rodrigo saltou do sétimo andar de seu prédio, sem suas asas de cera foi amparado pelo asfalto. Raquel teve a mesma viagem de sempre, afinal já estava acostumada. Rafael foi cedo para casa, pois sua namorada não poderia suspeitar que ele voltara para as drogas.
O cenário é esse. Um cenário obscuro, o intervalo pelo filtro. Uma noitada a mais, ou uma noitada a menos. Talvez a última.
Tanto faz os porquês dos quais, eles sabem porque estão nessa. A duração da viagem pouco importa. Afinal, eles sempre querem mais.

Contos do Bambu's III

Experiência
por André Simões

Os sentidos aguçados pela volúpia a fizeram pensar nos cheiros do cigarro e do seu sexo sujo. Ela não se lembrava nem do nome do cara com quem tinha passado mais uma noite de sua vidinha medíocre, Mas nada disso era novidade. Já vinha nesse ritmo promíscuo e inconsequente há mais tempo que se importava lembrar. Lembrar pra quê? Se lembrar só causava dor. Melhor mesmo, é só curtir o embalo da noite e ver no que vai dar. Afinal, não era isso que todos faziam? E se não faziam, era isso que queriam fazer. Ela fazia. E gostava.
Não era puta, ainda que muitos a chamassem disso, na sua cara, ou pelas costas. Mas isso não importava. Lá ia ela, na dela pra variar sem encomodar ninguém, mais um inseto sem valor (mas com dor).
Ela saiu de casa com a ressaca costumeira, sem nem se maquiar para disfarçar a cara de visada, fruto de mais uma noitada. Ia para outra entrevista de emprego, sem muitas esperanças, é verdade, mas seguia em frente. Já que ela se recusava a viver assim pra sempre, entregue a sorte, que era a sua, tinha que ser a sorte de alguém, porque ela só se fodia. Há muito tempo ela não conseguia lembrar de algum dia em que ela se dera bem, aliás, ela nunca ia se dar bem; ela era do mal.
A entrevista pra variar, foi uma merda. Mais um cara querendo explorar uma guria sem experiência. Sem experiência o cacete. Ela bem que podia não ter experiência profissionalcomo balconista de supermercado, mas tinha uma baita experiência em lidar com gente; e além do mais, que experiênciaalém de dizer "olá, o que quer mais?" ele podia exigir dela? Provavelmente foi como se vestia e como caminhava, que nem uma puta que fez o gerente falar da tal "experiência". Ela não desistiu, mas desanimou. Amanhã tinha mais uma entrevista marcada. Numa loja de roupas. Ela ia falar tudo que quisessem ouvir. Dessa vez, ia pegar a porra do emprego que tanto precisava para sair desas vidinha de merda. Tinha que fazer isso de uma vez, ou não sabia quanto tempo ela ia aguentar a ladainha do padrasto aporrinhando sua vida. Amanhã ia ser o seu dia.

Contos do Bambu's II

GameOver
por Sandro Luis Ribeiro Filho


Parado na frente da televisão, um catálogo de desejos, ele hesita, pensa em mudar de canal, em mudar de profissão, talvez de cidade. Quem sabe tornar-se um forasteiro, um traficante ou um dono de um bar. Consulta em sua agenda. Vários telefones nela. Várias possibilidades de se ir em algum lugar. Hesita de novo. Quem sabe mais uma dose? Vai até a sua escrivaninha e retira sua mercadoria. Prepara quatro linhas do produto, para serem inaladas. Pronto, serviço feito. Contatou seu velho agente de viagens. Sentiu-se em Acapulco, Nova Iorque, Itapuã...
tanto faz o lugar. A sua viagem é real.
Sente frio, depois calor. Como se saísse do inverno rigoroso de Nova Iorque direto para Acapulco. Vai em direção de seu criado-mudo. Pega a arma nas mãos, uma arma que havia comprado na semana anterior. Ele tinha um desejo, mas acabou mudando de canal. Agora o canal escolhido é esse mesmo. E pouco importa se ele pagou ou não a conta da TV.
De hoje não passa. Acende um cigarro de filtro vermelho. Aproxima a arma de sua boca e dispara.
Game Over.

Contos do Bambu's I

Cerveja, cigarros, truco, amigos e poesias. Tudo isso na madrugada de uma segunda-feira fria de setembro. Junte tudo isso e o resultado é:

Contos do Bambu's

Analize
por Maria Tellechea

Puxou o cordão da luz e a sala iluminou-se.Tudo o que ele via eram caixas. Perguntou-se qual foi o momento de sua vida em que decidiu ser um analista. Sentia-se um analista. Pois o conteúdo de todas aquelas caixas eram cadáveres. Um corredor cheio deles. Todos ali, feito um parque de diversões feto para um examinador de defuntos, um legista, como ele. Abrir corpos não lhe dava nojo, lhe dava prazer. Todos os dias, variações de pessoas mortas, das mais variadas doenças, dos mais variados acidentes. O que mais gostava de fazer, era imaginar quem aquelas pessoas tinham sido em vida, e especular o que havia acontecido para ali chegarem naquela estado. Já tinha aberto o corpo de uma rainha, bela e poderosa, que depois deum passeio de carro mortal ali foi parar. Conheceu também um assassino, que provou de seu próprio veneno. Um pai de família, que pelas drogas destruiu seu corpo. Viu também um menina que gostava de brincar de bonecas, maltratada pelo padrasto, teve sua vida interrompida muito cedo. Viu tantas pessoas, tantas histórias, que começou a pensar na sua. Quem ele era, o que ele viveu, o que ele viveria, como morreria? Estaria ele em uma daquelas caixas? Em quanto tempo? De que forma? Inteiro, em pedaços? Especulariam sobre a vida dele também?
Puxou a primeira gaveta, abriu o saco preto de plástico e viu: uma loira, com seus 20 e poucos anos, bonita, tão jovem. Olhou no rosto da moça e perguntou:
- Quem é você?