atos tácitos

O sol brilha. Não é com a mesma intensidade nem o mesmo calor. Mas ele brilha. Alguém o vê radiante, eu o vejo simples.

Sorrio, mas não é com o prazer de sempre. É desvirtuado. O que antes me satisfazia agora não mais me realiza, pois minha cabeça se encontra inquieta.

Pego-me encarando a parede, contemplando as cores, os desenhos, a textura. Passam-se minutos e me pego fazendo a mesma coisa. Nada.

À noite, demoro a pegar no sono, pensando, lembrando, refletindo. Meus sonhos não são mais os mesmos, antes claros e calmos, agora abstratos e instantâneos. E no abrir dos olhos ao acordar, as pálpebras pesadas e húmidas do sono te desenham na minha frente, me fazendo pensar que ainda sonho. E quando finalmente os abro, e percebo onde estou e no que me tornei, o peso recai sobre minhas costas, trazendo consigo a angústia e a afadiga.

Quero uma capa da invisibilidade, um tapete voador e uma lâmpada mágica.



Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.

Fernando Pessoa

desperta-te

sinto, apesar de querer e não querer sentir
quero, apesar de querer e não querer querer
tento, mas sei que passo longe de tentar


quando as coisas saem totalmente do controle, é quando tu pensa como foi que chegou ali. o que te levou a fazer todas as coisas que não podia, sentir tudo o que não devia e querer tudo o que não se pode ter. quando digo que tento, é mentira. ainda consigo me enterrar mais fundo em uma história que eu bem sei o fim. tenho em mãos o conhecimento do final desse enredo e mesmo podendo dar um rumo diferente para a história, um em que poucos saiam machucados, um em que as decisões sejam realmente tomadas, um em que eu perca o que mais quero. sim, eu quero ficar no limbo que criei pra mim, embora saiba dos conflitos que essa ganância pode acarretar. puro egoísmo de sentimentos. penso no que eu quero, no que eu desejo e esqueço que as outras pessoas também sentem. também se machucam. também choram. onde está o medo de perder o que era de mais valioso pra mim? sumiu. a única coisa que me fazia ter alguma noção do real, sumiu. e o que eu quero agora? eu sei, mas finjo não saber. e como sair desse meu capricho sem destruir uma das coisas que mais valorizo na vida? ofendo a mim mesmo falando isso. como posso valorizar uma coisa que venho destruindo? auto-flagelo? masoquismo? não creio nisso. ainda prefiro pensar que não sei lidar com alguns sentimentos. bobagem. sei tudo o que sinto, sei tudo o que quero e sei ainda, o que devo fazer. mas teimo. teimo porque ainda prefiro seguir o caminho errado. mas errado porque? não acho que seja o errado. errado é ter as mãos atadas e não poder fazer o que se quer, sem que isso venha a magoar outros.

o engasgo

o silêncio acumulando
as palavras perdidas
não curam as feridas
que ganho por onde ando

aquela fábula que criei
que insisto em adicionar linhas
com situações cometidas
de coisas que nunca direi

na ânsia de achar uma saída
do buraco que eu mesma cavei
me enterrei mais fundo ainda
e como faço pra sair, não sei

quem sabe só por uma vez
eu ouvisse minha consciência
e eu pudesse talvez
pensar na consequência

reminiscências

Minhas lágrimas não descem. Meus olhos continuam secos apesar de eu estar arrasada por dentro. O eu racional e o eu emocional travam uma batalha impossível de se prever um vencedor. Mas no final um tem de vencer. Sempre.

Congratulo o vencedor? Sim, óbvio. Afinal, é a melhor opção. Eu sei. Apesar de não querer saber.

Uma decisão. Apenas uma. Uma sábia decisão. Será? O tormento continua, mas passa. Sempre passa.

Vivendo e aprendendo. Vivendo momentos incríveis e incontestáveis. Alguns dos melhores indiscutivelmente. Mas que ficarão guardados apenas na memória. Aprendendo a valorizar o que se ganha na vida, apreciar o que se tem e a lidar com novos sentimentos.

Sentimentos esses responsáveis por toda essa agonia. Agonia sim. Pois o novo assusta. E a verdade também. Logo, escolho a mentira que cura, do que a verdade que dói.

Colocaram as cartas na mesa e eu as peguei. Agora só me resta aprender a jogar.