vício voluptuoso

existe dentro de mim
um vício que não quer me deixar
à passos lentos e sem fim
me consome até me rasgar

vê as chagas que cultivo em minha pele?
são as feridas que arranco em busca da dor
é o meu jardim dos pecados, meu mundo sem cor
sou meu próprio algoz, amo o que me fere

não me culpes por me entregar
minhas asas e minha auréola decidi abandonar
eu precisava esse vício alimentar

quem diria eu pensar assim
onde sangrar pelo nariz é o que almejo
minha roleta russa de desejo


Se perdi os meus dias na volúpia, ah! Devolvei-los a mim, grandes deuses para que eu volte a perdê-los.

mais uma noite

uma xícara de café amargo na mão e o cabelos oleosos entrelaçados nos dedos da outra. sentada em uma poltrona antiga, rota e gasta, ela deixa seus olhos seguirem a fumaça que se desprende da xícara quente que ela segura. as cortinas de veludo verde obstroem a entrada completa do sol, deixando apenas poucas linhas entrarem. e elas entram, dançando calmamente em direção ao piso empoeirado que ali há. seus pés nus e gelados estão sujos e vermelhos como o vestido de gala que ela outrora vestia e agora encontrava-se pendurado no armário corroído pelos cupins. ela queria levantar para pegar seus cigarros, mas a dor nas pernas a impediu, ela desequilibrou quando fez força para sair do sofá e com isso quase derrubou seu café. sorriu dementemente e largou sua xícara na mesa ao lado, bem perto do porta-retratos com o vidro quebrado e gotas de sangue seco encrostados. a mesma mão que segurava seus cabelos agora tirava do colo uma gilete enferrujada que fora usada horas antes para fazê-la esquecer. o seu desmemoriador, como ela costumava chamar. levou em direção ao rosto e se viu refletida nela. o que viu foi um rosto opaco, fraco, sem brilho, com a maquiagem borrada. os cabelos desgrenhados e sujos caíam sobre seus olhos. olhos esses sem vida, como se há tempos ela estivesse morta. jogou para o lado a gilete, para que não precisasse olhar mais para si mesma, e antes que involuntariamente suas mãos corresem em direção ao seu pescoço, um lugar desconhecido pelo seu desmemoriador. olhou para as marcas nas pernas e deixou seus olhos seguirem o caminho que o sangue percorria coxas abaixo. jogou sua cabeça pra trás numa gargalhada descontrolada que em poucos segundos transformou-se em um choro soluçado, desesperado. seus olhos correram o quarto e foram parar no porta-retratos da mesa ao lado e suas lágrimas desceram por seus olhos ainda mais. por impulso fechou seu punho e com força acertou o que restava do vidro, que com o impacto estilhaçou-se. agora sua mão estava banhada em sangue, como o resto do seu corpo. levou as costas da sua mão em direção à sua boca sem perceber e ela sentiu o gosto do seu próprio sangue fresco. o gosto lhe despertou memórias de uma vida não muito distante, da primeira vez que o desmemoriador fora usado, na parte interna da coxa, lhe proporcionando uma dor extremamente agradável e quando vira o poder que seu corpo tinha sobre seus sentimentos. desde então, sempre que achava necessário, corria para o espelho do banheiro e depois sentava no mesmo sofá. sempre para esquecer-se. as lembranças lhe trouxeram a vontade de drogar-se e ela levantou-se. caminhou devagar e parou na janela. do lado de fora ela via as luzes dos faróis dos carros, dos semáforos que piscavam para ela lá de baixo e das festas que silenciosamente chamavam seu nome. ela se animou e deu meia volta. seu rumo agora era a mesa de jantar, onde ela sabia que havia uma linha de cocaína esperando-a. a experiência ajudou-a, em poucos segundos a mesa estava limpa e seu corpo revigorado. sentia-se satisfeita, inatingível e decidiu vestir-se e sair para explorar a noite. tirou do armário sua calça escura e sua camisa preta, calçou seus sapatos e foi escovar os cabelos e retocar sua maquiagem. sorriu para si mesma no espelho e foi-se, sabendo que voltaria depois do amanhecer, drogada e bêbada, como sempre.

Entre a dor e o nada o que você escolhe?

o novo

novas sensações, que dominam teu corpo e atacam teu cérebro como um choque elétrico. te invadem e te fazem sentir o até então desconhecido. tu sabes como chama essa nova sensação. sabes, mas não lebras do nome. porque afinal, não costumavas sentir.
é aquela, aquela que não me recordo do nome, mas é espontâneo, vem sem perguntar se pode, te trazendo medo, real ou irreal, várias emoções misturadas como dor, raiva, tristeza, inveja. e olha lá quem vem: o ressentimento, a culpa, o questionamento. ela chega pelo estômago, te aperta e te queima, a náusea vem junto com a aflição, migra para o coração, abrindo fendas e cuspindo lava como um vulcão. e tu já não sabe mais o que dói, o que não dói, vem aquela ânsia de sair correndo, de fazer alguma coisa, qualquer coisa, ou coisa alguma.
diagnóstico: ciúme.


"Feito um veneno, em meu peito ficou seu perfume
No coração, a paixão, na cabeça, o ciúme"

agostinho dos santos - pecado

Eu não sei se é proibido
E se não tem perdão
Que me leva ao abismo
Eu só sei que é amor

E eu não sei se este amor
É pecado e se tem castigo
Se é faltar com as regras honradas
Do homem e Deus

Eu só sei que me envole a vida
Como um torvelinho
Que me arrasta e me arrasta
a teus braços, em cega paixão

É mais forte que eu
Minha vida, meu credo e meu céu
É mais forte que todo respeito
E temor a Deus

Ainda sei que é pecado e te quero
Te quero assim mesmo
Mesmo sendo negado o direito
Me entrego a este amor