Com as mãos geladas segurando o volante ela dirigia rápido pela
estrada. Os cabelos esvoaçando freneticamente com o vento. A
boca seca e os olhos marejados. Milhares de imagens passavam
pela cabeça dela, inclusive a dela jogando o carro estrada a
fora, mas nenhuma delas nítida o suficiente para que focasse em
um apenas. Resolveu parar na primeira lanchonete de beira de
estrada que encontrou. Era suja, pequena e pobre. Ao menos
estava quente ali dentro. Sentada em uma das mesas tortas da
lanchonete pediu um café. Forte, foi o que ela disse. Enquanto
esperava, apoiou a cabeça em suas mãos e suspirou. Um suspiro
longo e calmo. Como se tentasse afastar dela toda a aflição que
a assolava.
Foi quando lembrou daqueles olhos, os olhos que ela tanto
gostava de apreciar, os mesmos olhos que a olhavam com ternura,
olharam com indiferença. Os mesmos olhos que ela admirava,
olharam secos e com repreensão. Lembrou também de sua boca.
Aquela mesma boca que ela tanto saboreou o gosto doce e
delicado, aquela mesma, disparou veneno em forma de palavras
contra ela. As mãos que ela tanto sentiu percorrerem o seu
corpo com afeto, sentiu também lançar um tapa em seu rosto.
Experimentou as lágrimas descendo pelo rosto e não fez questão
de reprimir. Deixou que pendessem pela face e a sensação foi
boa. Assim que sentiu a garçonete deixar seu café ali, levantou
a cabeça e de leve secou com um lenço. Pegou a xícara e sentiu o
calor envolver suas mãos, suspirou profundamente e levou o café
em direção à sua boca. O gosto amargo surpreendeu seu interior
e ela, involuntariamente apertou os olhos. Tomou outro gole,
dessa vez maior e mais rápido. Como o tiro de um canhão a
realidade atingiu-a. Tal a forma que ela até mesmo recuperou
sua cor habitual.
Mas nada do que fizesse, ouvisse, ou tentasse, afastariam dela
a idéia de que agora, lhe faltava um pedaço. Um pedaço
fundamental, vital. Sua essência havia sido roubada. Ela tentou
imaginar sua vida daqui para frente. Como seria viver sem o seu
talismã?
Tomou o resto do café em poucos goles. Deixou uma nota em cima
da mesa e levantou. Buscou suas chaves na bolsa e foi para o
carro. Sentada no banco pousou suas mãos ao volante e deu a
partida. Fechou os olhos, cerrou os dentes e acelerou. Acelerou
como nunca havia feito na vida. Sem abrir os olhos, continuou
seu caminho em direção ao seu triste destino. Sua jornada durou
pouco tempo, pois após sair da lanchonete, antes de 60 segundos
completarem, todos que estavam por perto puderam escutar o
barulho de algo pesado chocar-se em algo sólido. Um barulho
severo, rude. O barulho do fim.